quarta-feira, 23 de março de 2011

A REDENÇÃO DO NEGRO




Se dependesse da vontade de nossas classes dominantes, o futebol teria trilhado caminhos semelhantes ao do tênis e de outros esportes restritos aos ambientes sofisticados dos clubes de elite. Sua simplicidade, seu baixo custo e a propriedade sublimadora de rivalidades, no entanto, aproximaram-no dos pobres e o tornaram nosso esporte mais democrático. A segregação dos negros nos clubes amadores foi cedendo diante das habilidades demonstradas por jogadores que despontavam nas divisões de base. Caso expressivo deu-se com o Clube de Regatas Vasco da Gama, montado e dirigido por endinheirados empresários da colônia lusitana no Rio de Janeiro. Superando o racismo de setores da colônia, o Vasco admitiu negros e mulatos no time de futebol, posto ser aquele esporte de menor importância para os dirigentes da época e da equipe ainda disputar a segunda divisão do campeonato fluminense. Ocorre que, em 1923, o Vasco ascendeu à primeira divisão e teve de bater-se contra os papões dos brancos, Flamengo, Fluminense e América. Bateu-se e sagrou-se campeão naquele ano.
O mérito era dividido entre jogadores brancos, negros e mestiços.A partir de então estava instaurada a polêmica. Quem joga melhor o futebol:
brancos ou negros? Questão colocada, aliás, exatamente no momento em que outra também se impunha: a da profissionalização dos atletas. Tratava-se, então, de não só admitir o negro no esporte como um igual no espaço dos clubes, como de remunera-lo pelo seu talento mostrado dentro do campo de jogo. A polêmica sobre a profissionalização levou clubes como o tradicional e laureado Paulistano a se afastar dos campeonatos oficiais. Assim surgiram, de outra parte, agremiações novas como o São Paulo da Floresta, depois São Paulo Futebol Clube, fundado em 16 de dezembro de 1935. E nelas os negros foram ampliando seus espaços. Gilberto Freyre chegou a atribuir os méritos da boa atuação da seleção brasileira que disputou a Copa de 1938 na Itália à presença de atletas negros no elenco. Surgiam os primeiros grandes ídolos como Domingos da Guia, Zizinho e outros. “El Tigre”, Arthur Friendenreich, filho de pai alemão e mãe negra, abria a lista com seu talento reconhecido inclusive no exterior.
Talvez Friendenreich, Leônidas da Silva (o Diamante Negro) e Pelé possam ser considerados os símbolos maiores da luta dos negros no futebol brasileiro. Não sem grandes barreiras a serem superadas. Recorde-se que, após o fracasso da seleção na Copa da Suíça, em 1954, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) chegou a veicular um misterioso Dossiê Ku Klux Klan, em que se propunha a não-convocação de negros em competições futuras.

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